Salve leitores!
Este editor esqueceu o HD com o acervo, e isto foi excelente. Nesta pequena temporada rural, entre cenários nordestinos e pensamentos literários, decidi que hoje teríamos um editorial sobre o tarô. Sim. Este jogo de cartas divinatórias que surgiu no século XIV, provavelmente na região de Flandres (norte da Bélgica), segundo Isabelle Naldony em seu História do Tarô (#1.308 no BLG), é um tema riquíssimo para uma discussão por aqui. Vale salientar que esta é uma perspectiva baseada em três pontos: a experiência do editor com os decks Rider Waite, a visão jungiana sobre as cartas e sobretudo, os benefícios psicológicos dos arcanos na nossa vida.
Tarô: jogo ou religião?
Por mais estranho que possa parecer, para muitas pessoas, o jogo de cartas do tarô é visto como algo atrelado a um contexto místico/religioso. De certa forma, não está equivocado quem pensa por este viés. Mas a história do tarô não se resume a isto. Sabemos, mais uma vez, embasado nos estudos da Isabelle Naldony, que as cartas somam uma série de tradições, desde o árabe (de onde teria surgido o termo “naipe”, nome dado a cada um dos grandes grupos do tarô) até a Itália, onde surgiu o tarô Visconti-Sforza, provavelmente o deck (sendo deck o nome dado ao conjunto de cartas contendo os quatro naipes – copas, paus, espadas e ouros/moedas, mais as cartas da nobreza – pajens, cavaleiros, reis e rainhas) mais importante, porque dele derivam todos os mais conhecidos decks que se tem notícia, de viés clássico.

A estrutura clássica do tarô do campo mais amplo ao campo mais específico:
- Deck: conjunto completo dos elementos de um tarô. São ao todo 78 cartas, sendo 22 arcanos maiores e 56 arcanos menores;
- Naipe: nome dado a cada uma das categorias das cartas – iguais aos naipes dos baralhos de jogo. São eles paus, espadas, moedas/ouros/pentáculos e copas. Cada naipe é simbolizado por um elemento;
- Arcanos maiores: são as principais cartas do tarô. São 22 no total e trazem aspectos íntimos e pessoais do consulente;
- Arcanos menores: são as cartas secundárias do tarô. Nas leituras, elas designam ações ou comportamentos;
- Cartas da corte: são divididas para os naipes em reis, rainhas, pajens e cavaleiros. Estes representam aspectos menores, mas também podem simbolizar presenças, personagens ou pessoas da vida do consulente.
Mas, e o misticismo no tarô? Bom, ele existiu. Mas é importante entender que o jogo de cartas tradicional, como a maioria dos jogos que existem até hoje, a exemplo do dominó, serviam apenas para distração, para passar o tempo. Porém, o tarô, desde quando surgiu – sendo o Marselha aquele que ainda guarda muitos elementos – tinha um pé no jogo, outro na tradição medieval. Em seu livro “Magia e Religião na Inglaterra Medieval” (ainda indisponível no blog), Catherine Rider explica que o misticismo e as artes divinatórias era algo que, embora tivesse certa vigilância sobre, ainda assim era praticável. Alguns padres na Igreja, por exemplo, conheciam o jogo do tarô, e praticavam adivinhações com o uso dele.
A Golden Dawn, ordem mística surgida entre os anos de 1887 e 1888 no Reino Unido, era uma ordem iniciática hermética e discreta (algo como hoje é a Maçonaria), da qual, nomes como Aleister Crowley e Dion Fortune, muito influentes no misticismo moderno fizeram parte. Como toda ordem iniciática, a sua construção envolve os “mistérios” que devem ser alcançado por níveis. Chega-se como criança, e evolui-se até se tornar aduulto. Diversas obras da literatura universal, com a premissa da “jornada do herói” apresentam fábulas iniciáticas como parte da conquista da verdadeira autonomia. Como exemplo, podemos citar “O Mágico de Oz“, de L. Frank Baum (#1.709 no BLG) ou o famosíssimo Harry Potter, da autora britãnica J. K. Rowling (todos disponíveis para download no BLG).
É aqui onde o misticismo e o tarô se encontram. O tarô clássico, embora fosse já popularmente utilizado sobre a premissa de ser um jogo simples de adivinhação, mesmo na tensa atmosfera medieval, encontra, no século XIX, uma conexão poderosa com o esoterismo da Golden Dawn. Os 22 arcanos maiores passaram a ser ligados às 22 letras do alfabeto hebraico e à árvore da vida. O tarô deixa de ser simples jogo e passa a representar uma jornada que se inicia no “Louco” (arcano 0) e segue até o “Mundo”, o arcano 22, que representa uma releitura aperfeiçoada do personagem inicial. De fato, alguns autores, como Nei Naiff (provavelmente um dos mais proeminentes nomes universais da área) em seu “Tarô, Carma e Numerologia, um Estudo para o Código da Alma” (#1.506), por exemplo, usa esta jornada arquetípica para compreender a tiragem como elemento essencial na percepção e no amadurecimento pessoal – além da prática divinatória em si.
Dois nomes são impossíveis de serem deixados de lado no desenvolvimento da tradição mística do tarô, são eles Arthur Edward Waite e Pamela Colman Smith. Ele, um membro já reconhecido da Golden Dawn pensou em desenvolver um projeto gráfico para um baralho iniciático baseado no renomado Visconti-Sforza e para tanto, contratou a “Pixie”, como era conhecida entre seus amigos íntimos, Pamela Colman Smith. A parceria deu muito certo, e do visagismo de Smith, que era destacada pela sua capacidade de sintetizar em imagens os elementos de uma determinada obra gráfica, tendo atuado como ilustradora de cenários teatrais, como nos explica Elizabeth Foley O’Connor, em seu “Pamela Colman Smith, Artista, Feminista e Mística” (2024) (ainda não disponível aqui no blog) surgiu o tradicionalíssimo baralho Smith-Waite, publicado originalmente em 1909 como Rider tarot Deck, evoluindo para Rider Waite Terot (1971) e por fim, Smith-Waite Tarot ou Waite-Smith Tarot, decorrente do movimento, que, nos anos 2000, buscou dar visibilidade à Pâmela Smith, que, além de ter inovado, dando a cada carta dos arcanos menores, ilustrações individualizadas e criado mo modelo de “stage deck”, no qual as cartas parecem ter sua ação “representada” em um palco – representando uma inovação para época, replicada até os dias atuais.
Tarô e psicologia – o inconsciente coletivo atuando nas cartas.
O século XX e o cientificismo trouxeram, aos seus habitantes, a falsa ideia de que tudo se resolve matematicamente. O cérebro seria como uma fórmula a ser decifrada. Porém, vem Freud e seus contemporâneos desdizer tudo isso. A partir das suas impressões, Freud delibera sobre o nosso íntimo, percorre os nossos instintos e demonstra que a condição humana é um misto de pulsões, traumas e ressignificações. Apesar de ser uma via alternativa de compreensão da mente, o background místico do século XIX ainda estava por ali. É aqui que conhecemos um personagem essencial na visão terapêutica do tarô; Carl Gustav Jung (1875-1961).
Jung foi o precursor da chamada Psicologia Analítica, um conceito que se distancia de Freud (de quem Jung foi, inclusive, pupilo) por considerar, na compreensão de doenças da mente, elementos como espiritualidade, mitologia e misticismo – tudo a ver com o tarô. Jung trabalha com o conceito principal de inconsciente coletivo, uma repartição superior e ampliada do inconsciente pessoal, onde repousam não apenas as experiências individuais, mas todas as experiências coletivas. Jung considera os arquétipos como “pontas de iceberg” de experiências universais que, plasmadas no tarô, compreendem um processo de amadurecimento pessoal, capaz de trazer luz às dúvidas mais angustiantes dos consulentes/pacientes.
Sallie Nichols nos apresenta em seu “Jung e o Tarô, Uma Jornada Arquetípica” (#1.572 no BLG) um panorama mais bem detalhado sobre a construção arquetípica de Jung e como ela se amolda à jornada do tarô, sendo muito utilizada hoje em dia como uma espécie de construção em consenso de como interpretar e ajudar pessoas utilizando este oráculo.
Claro, Jung e sua Psicologia Analítica não se resumem a esta visão, entretanto, pela sua adesão à cultura pop, Jung tem uma facilidade maior de ser lido como um autor comprometido com ideias místico-religiosas e terapêuticas mais próximas do grande público. Além disso, a ideia de um tarô mais próximo das pessoas auxilia aqueles que precisam de uma orientação ou que se sentem angustiados, mas que, de alguma forma, não têm acesso às terapias presenciais ou remotas. O estudo do tarô sob a visão terapêutica é mais próxima de uma forma de autocuidado. Além disso, retomando a experiência Golden Dawn, conhecer o percurso dos grandes arcanos pode ser um incentivo para uma autocorreção, melhorando o sujeito como membro do coletivo, sendo assim amplamente benéfico.
Aos estudos e ao futuro.
A tradição do tarô não é simples. Mas aqui no BLG temos uma quantidade considerável de títulos que podem guiar o sujeito para uma experiência um pouco mais tranquila em relação ao seu potencial, bem como ao trabalho com as cartas. Começaremos delineando alguns títulos para aqueles que curtem o tarô mais tradicional, o Marselha.

O tarô de Marselha (imagem ao lado) é considerado um dos mais populares decks clássicos. Ele leva o nome da região francesa onde era produzido, lá pelo século XV. Os primeiros decks eram assim simples porque as imagens eram reproduzidas, em muitos casos à mão.
Quem trabalha com este tipo de deck certamente tem uma sensibilidade mais apurada. Diferente do Rider Waite, o Marselha não tem arcanos menores tão bem explicados, e mesmo os arcanos maiores carregam símbolos complexos e pouco amistosos.
Uma obra essencial para iniciar, “O Tarô de Marselha Revelado, um Guia Completo para Seu Simbolismo, Significado e Método” (#972 no BLG) do Yoav Ben-Dov é um caminho excelente para a sua melhor apreensão. Vale salientar que a obra, sendo ilustrada, facilita a compreensão mehor dos conceitos apresentados.
Como já explicado, o Rider Waite é, provavelmente, o melhor baralho para quem deseja iniciar-se nos estudos e na forma do tarô. Seja arquetípico ou divinatório, a experiência proporcionada pela Pamela Colman Smith, “Pixie” jamais pode ser superada em termos qualitativos.
Para melhor explicar este deck, nada melhor que o seu próprio idealizador, Arthur Edward Waite, no seu “A Sorte Pelas Cartas” (#1.979 no BLG) que tem uma descrição e interpretação de todo o baralho, de acordo com as ideias que o autor concebeu.

E acabou?
Claro que não. O tarô continua relevante na cultura pop, nas salas de terapia e nos sites de vendas como a Amazon e o AliExpress, onde outros decks, inspirado em outras tradições, são divulgados e celebrados. É claro que sempre haverá polêmicas. Mas também o tarô sempre será uma peça indiscutível na formação do Ocidente e na realidade mística que nos cerca.
A forma com que a adivinhação ou o auto conhecimento impacta cada sujeito é o que faz com que cada pessoa se incline a um tipo específico de deck, o que não significa que eles sejam melhores ou menos eficazes, já que os arquétipos que os deram origem são os mesmos. Cabe a cada leitor se conectar com aqueles que fazem mais sentido, e, por fim, aprender tudo o que esta poderosa ferramenta tem para oferecer, seus desafios e suas recompensas. Quem sabe assim, aos poucos, o melhoramento pessoal se torna uma realidade? Esta é apenas uma das milhares de reflexões possíveis dentro de qualquer jogo de cartas arquetípico.
Pronto para a leitura?

PS: Este é um post livre de Inteligência Artificial.
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